PQ NÃO?

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segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Cheiro da chuva caindo no asfalto



            O cheiro da chuva caindo no asfalto lembra minha casa, a minha visão da janela, da chuva lavando a avenida em frente a minha calçada, lembro o menino que sai correndo e desesperado senta no chão olha para o céu e rir da vida como se aquele instante mágico fosse único, lembra minha vizinha que sai correndo para tirar a roupa do varal, me lembra o céu que fica com uma cor estonteante, lembra meu avó contando historinhas para os meus primos mais novos de suas aventuras durante os temporais.
Lembro-me das crianças que preferem se molhar e se aventurar na chuva, rolar na grama, mesmo que depois aquilo tenha como consequência um sermão da mãe alegando que essa brincadeira custe um resfriado trabalhoso, lembra-me o valioso som dos animais, as libélulas pousando nos lamaçais, os sapos, os grilos, o barulho dos relâmpagos e trovões, das gotas de chuva caindo no meu telhado. O cheiro de chuva no asfalto! o banho que o chão da cidade que parece nunca ter paz, merece ter, a chuva que lava e abranda por um momento aquele asfalto que foi testemunha de tantas histórias, de tantos momentos singulares na vida urbana.
            O cheiro da chuva caindo no asfalto me lembra um momento de paz minúsculo na cidade, um momento de reclusão da maioria das pessoas em seus lares, e aquele tempo que  não para segundo Cazuza, faz um pequeno intervalo, para as reflexões de um momento que além de frio trás sossego. O cheiro de molhado é acolhedor faz uma tarde turbulenta de verão se tornar um aconchegante inverno anunciando na cidade que um momento sutil e inexplicavelmente confortável vai invadir nossas casas tomar conta das ruas e nos fazer sentir como uma criança que morre de vontade de ter o rosto molhado, de se segurar cada pingo que se esvai, a ânsia de chutar a lama, mais o que conta no final é a sensação de bem estar causado pelo banho que ganhamos do céu.

Cadarço

                    Eu me lembro como se fosse hoje, primeiro dia de aula, uma mochila novinha, um caderninho colorido e as canetinhas cada uma de uma cor, eram fascinantes. Era manhã cedinho e minha mãe arrumava meu cabelo e logo após as duas maria chiquinhas feitas e a fardinha bem passada, lá estavam eles, enigmáticos entrançados olhando para mim e eu a olhar para eles sem nenhuma solução, simplesmente não sabia como minha mãe fazia aquele lacinho que os prendiam tão bem em meus pés, você deve tá se perguntando mais que bobagem é essa? e eu lhe digo para uma criança de 3 anos acaba sendo seu primeiro grande desafio, depois da vitória de finalmente poder ir a um Colégio e me sentir grande, há eu queria!, Gostaria muito de sozinha dá um jeito naquele cadarço de forma que fosse útil para mim.               
              Os dias passam e todos os dias mamãe se agachava e amarrava meu cadarço e todo dia eu dependia da mamãe para ir com o calçado certo pro colégio, sem ela eu não conseguiria amarrar e tropeçaria nos meus próprios pés, era assim que eu enxergava meu cadarço como um patamar acima, um problema que um dia eu ia ter que concertar sozinha. Os anos se passaram e eu aprendi finalmente a usá-los de forma que me fossem uteis, de forma que o laço ficasse bem feito e prendesse bem meus pés, mas alguns anos na frente eles eram só cadarços, nada mais ele era só essa bobagem que você estava se perguntando no início do texto, mas para outros depois de um tempo era espelho de vaidade, eram coloridos ou de marcas luxuosas como a Nyke, e mais a frente ainda eu percebi que ele era feito em um país subdesenvolvido a partir de uma mão de obra explorado por um país muito rico, assim como ele, todo o resto do meu tênis.          
           A idade e a experiência me levaram a crer que esse simples cadarço era como a vida, tão simples e enigmática no começo, tão cheia de desafios mais á frente e com uma realidade tão cruel, que os olhos de uma simples criança não conseguiriam ver. A vida ela tá sempre entrançada com histórias diferentes, fazendo surgir novas histórias, em uma época de minha vida em que ele foi um obstáculo para mim, em um outro foi simplesmente obsoleto, em uma outra perspectiva ele era motivo de revolta por justamente descobrir a sua origem, não creio que um dia a mais, olharia para o meu cadarço como um simples cadarço, ele pode ter vindo do México, da Etiópia, da Bolívia, o que eu sei, foi que um suor humano explorado foi usado para aquele surgimento.                
           E eu que pouco pensava em combinar cores, e eu que pouco pensava em marcas, pensava em simplesmente amarrá-los, que inocente eu fui, a vida se você restringir sua visão ela é exatamente assim, primeiro com simples metas individuais, depois com a vitória ela é toda colorida é de cor de rosa púrpura, mas se você quizer enxergar mais além ela não é tão justa e democrática assim, vai ter pessoas que sem ter a sua sorte não vai ter uma mãe para amarrar o cadarço e amarrando seu cadarço sozinho ele vai tropeçar muito e aprender antes de você que os emaranhados da vida produzem resultados desiguais, sabe? Um lado do cadarço fica maior que o outro, e essa sociedade que jamais vai entender o cadarço com sua temática tão abrangente vai viver conformada com sua vidinha colorida.              
          Não importa o que um cadarço vai significar para você, o importante é notar o quão pequeno começa as reflexões, como realidades diferentes fazem vidas diferentes, o meu cadarço era um simples objeto que eu desejava manejar, para outra pessoa era fruto de um trabalho árduo que trazia consigo o peso da vida real, tantos cadarços e tantas realidades diferentes nos levam a crer que dois mundos existem atualmente, não o mundo dos desenvolvidos ou dos subdesenvolvidos, mas o mundo dos que tiveram oportunidades de aprender a usar o cadarço e o mundo daqueles que o cadarço foi simplesmente imposto ao duro custo da sobrevivência, do que vale classificar os mundos se a realidade é a mesma, o cadarço vai estar sempre lá sendo consumido por uns e fabricado por outros.         
           A vida se precisa ser colorida, precisa ser para todos, não só para os individualistas, mas também para aqueles que não conseguiram conquistar a individualidade de uma vitória por que um mundo cinza foi sua casa durante muito tempo, procure na vida amarrar seu cadarço cedo e descobrir que ele não é tão obsoleto assim, assim como a vida ele tem caráter múltiplo, contar com a radical mudança pode custar caro e muito tempo, mas valeria muito a pena, usar um cadarço que tivesse sentido igual para todos, um cadarço social! Que para mim fosse o mesmo que é para meu colega empregado de uma empresa multinacional, só um objeto comum, sem peso, sem carga, sem muito esforço esse cadarço alcançaria a todos com a mesma intensidade, um simples obstáculo de uma criança que busca nos pequenos probleminhas de sua vida arrumar soluções que lhe deem um caráter maduro, e que essa criança descubra cedo, não a lutar por uma vitória individualista, mais a procurar soluções para problemas maiores que fazem o nosso único mundo ficar doente, como a miséria, a fome, a guerra, enfim que essa criança tenha em si a sede de trazer mudanças avassaladoras para mudar a realidade global que tanto necessita de um olhar especializado, que tanto precisa de uma ajuda para reergue-se e acalentar todos aqueles que tropeçaram no seu próprio cadarço, dar-lhes as mesmas oportunidades, por que oportunidades iguais nutrem o nosso mundo para uma solução que fará o meu cadarço irmão gêmeo do seu, que fará, não a minha vida igual a sua, mas a minha chance igual a sua de ajudar o mundo a usar seu cadarço melhor.